domingo, 1 de setembro de 2013

Entrevista com uma árvore

                                                                                                                                Anne Russel
                            Agosto, 2013

Colhendo hoje, amoras de uma Amoreira de galhos espaçados, pensei se no lugar da latinha a qual eu enchia de suas frutinhas roxas, eu tivesse papel e caneta, e claro, ela, uma boca. Estava uma manhã fria, mas o sol brilhava num ascendente faiscante. Eu, em vez de ficar em pé, como estava me sentaria. Refrearia as contingências do mundo por uns momentos, que seriam tão especiais e autênticos que deles eu jamais me esqueceria.

Começaria minha entrevista um tanto tímida, já que a árvore, senhora de si e sentinela daquela colina, parecia tudo saber... Talvez mais que de uma só vida.

A sombra refletindo a luz filtrada através do caule, folhas... E os frutos ainda verdes dependurados com o orgulho silencioso dela.

Com respeito eu começaria:





___ O que sente a senhora nesse momento em que tem de si frutos que 
generosamente dá como oferta a um mundo que talvez nem saiba de sua existência?

___ Minha jovem criatura. Sou antiga como os tempos que formaram a estrutura da primeira semente de quem eu sou. Nós, amoreiras, mesmo que fôssemos a última, ainda teríamos em nós a primeira. E ter atingido esse doce estágio de florescer e frutificar é algo que reverencio em meu interior, é o respeito que devo a semente que me formou e ter atingido esse nível no processo todo que a entropia inspira, é como se houvesse caminhado, como vocês criaturas que podem andar, e ter lutado, não contra, mas à favor do Sol, da chuva, de tudo de que me servi e que agora sirvo por minha vez, devolvendo a porção exata de que utilizei desse ambiente que me cercou como uma mãe, armazeno em mim a seiva da própria terra. O sangue da vida que me fez crescer. É a ele que devo a cor do primeiro fruto amadurecido em meu seio no primeiro dia de primavera que testemunhou esse ciclo que não é só meu, e sim pertence a todo esse universo que me fez quem sou.

Desde a primeira semente surgida séculos de vocês criaturas, até aquela primavera que viu meu primeiro fruto. Dei ao mundo a felicidade que recebi, e das dificuldades de atingir esse momento, nem me lembro, desde que minhas outras irmãs possam viver através de mim e dos meus frutos.
                                               *** ***
Eu escreveria tudo rapidamente, e fascinada com o milagre daquela entrevista inusitada e maravilhosa, eu continuaria a perguntar:

___ A sensação em colher seus frutos é algo intimista, que remete ao profundo de um eu talvez perdido em nosso próprio interior. Pensa que seja o traço de uma eternidade, que ultrapassa as  barreiras da matéria através do ir e vir, fluxo constante de vida de seu interior?

___ Alcancei o prêmio dos que não necessitam buscar ou dar explicações. São aos outros que sirvo, não a mim. Se meus frutos servem a um propósito maior que apenas alimentar a vida, se com eles podem vocês humanos sentirem algo superior, não é a mim que devem e sim a esse envolvimento superior que os quer elevar, assim como meus galhos que procuram estar cada vez mais perto dos céus, embora jamais possa esquecer minhas raízes, porque elas me prendem, mas com doçura própria da mãe que é regaço para o filho; assim foi a terra para mim, assim ainda o é. Sei que talvez serei ceifada antes mesmo de outra primavera, mas não vivo por esse momento do fim , não é por ele que vivo, entende? E sim por todos os dias os quais servi à vida.

Eu, embevecida, passaria a mao por seus caules finos, sem entender por que ela, logo ela falara de morte.

Então, olharia à minha volta... Um toco queimado e arrasado do que havia sido um vigoroso e belo Flamboyant, outro, e outro. Mais à frente frondosos Eucaliptos dos quais não restaram nem a lembrança.

___ Desculpe árvore querida, e pensar que eu os amava a todos... E não foi o suficiente para salva-los.

___ Eles estão salvos... Aqueles que lhes causaram isso é que jamais estarão.








                                          

                        


                                                                             FIM

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